Ecoa UOL – outubro 1 2021

Organização acolhe refugiados venezuelanos e ajuda na busca por trabalho 4a3w43

1f2x13

Aos 70 anos, Tomasita García já se sente em casa em São Paulo. Em busca de uma vida melhor, ela decidiu deixar a Venezuela em fevereiro de 2019 ao lado do marido, Fernando Miguel, e do enteado, Luiz Alberto, que tem síndrome de Down. "Gosto daqui porque as pessoas são muito doces e amáveis. Elas gostam de ajudar, de acolher as pessoas", afirma ela, que disse gostar de ear pelos parques e pontos turísticos da cidade. O Brasil tem o maior número de refugiados venezuelanos reconhecidos na América Latina. Desde 2017, o país já recebeu mais de 260 mil pessoas tentando fugir da grave crise econômica na Venezuela. Para dar e ao que se tornou uma crise humanitária no estado de Roraima, porta de entrada ao Brasil para essa população, a organização humanitária Aldeias Infantis SOS Brasil decidiu expandir sua área de atuação.

Focada em atender crianças, adolescentes e famílias que perderam o cuidado parental ou estão em risco de perdê-lo, a organização está presente em 137 países. Mas, desde 2018, a ONG também tem trabalhado junto às famílias venezuelanas, numa parceria com o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Naquele ano, o governo brasileiro, com o apoio da ONU, deu início à Operação Acolhida, um programa de interiorização para promover a inclusão socioeconômica e incentivar o deslocamento voluntário dos imigrantes concentrados em Roraima para outras unidades da federação - todos já com documentos regularizados e as vacinas atualizadas.

Desde então, mais de 2.500 venezuelanos (aproximadamente 620 famílias) foram recebidos nos centros de acolhida e integração da Aldeias Infantis espalhados pelo Brasil. O atendimento segue a metodologia usada com outros públicos da organização, baseada no cuidado integral. "Temos uma equipe técnica que atua trabalhando a adaptação à nova cidade e desenvolvendo sua autonomia e inserção na comunidade e nos programas sócio-assistenciais a que elas têm direito", explica Sérgio Marques, sub-gestor nacional da ONG.

Isso inclui ajudar a matricular as crianças e jovens na escola e o encaminhamento dos adultos a vagas de trabalho, além de auxílio para o cadastro de serviços como o SUS e a preparação para o mercado de trabalho, com cursos de capacitação e aulas de português. O acolhimento geralmente dura um período de até seis meses, mas dependendo da necessidade de cada família pode ser estendido.

A história de Tomasita

Foi por meio do programa de interiorização do governo que o Aldeias teve contato pela primeira vez com Tomasita. "A seleção das famílias é feita em Boa Vista (RR) por uma equipe da ONU e do governo, e a adesão é voluntária. Tomasita foi selecionada e encaminhada para o nosso projeto por causa do enteado, que precisa de apoio especial por ter Síndrome de Down. Nós fizemos uma avaliação e vimos que a cidade com a melhor estrutura para eles era São Paulo", explica Sérgio.

Ela gostou da ideia. "Me disseram que São Paulo era muito grande e eu gostei disso, me animei com a ideia de nos desenvolvermos aqui", conta. Nascida na Venezuela nos anos 50, Tomasita perdeu os pais quando ainda era adolescente e precisou cuidar dos dois irmãos mais novos. Para garantir o sustento da família, ou a trabalhar como babá. Mais tarde, se tornou ativista em movimentos em prol de moradias populares e atuou em um projeto que prestava apoio psicossocial a adolescentes para evitar o ingresso em práticas criminosas.

Em São Paulo, o Aldeias Infantis SOS alocou a família por alguns meses em sua casa de acolhimento no bairro do Rio Bonito, e ajudou Tomasita a ser recolocada no mercado de trabalho. Ela ou a atuar como Mãe Social, dando assistência a jovens que perderam o cuidado parental. "Para ser Mãe Social, não basta cumprir com os afazeres, é preciso entender as dores, os sofrimentos e toda a falta que cada criança enfrenta no dia a dia. Sei o que esses jovens precisam porque já fui como eles. Perdi meus pais muito cedo, então não preciso de estudos para entendê-los", explica ela, que trabalhou por quase dois anos nesse papel.

Seu marido, Fernando Miguel, atuava como ferreiro na Venezuela. No Brasil, ficou responsável por cuidar do filho enquanto a esposa trabalhava - mas também aproveitava o tempo para pintar quadros e fazer peças de marcenaria, que vendia para complementar a renda.

Covid-19 e novas dificuldades

Em alguns meses, a família conseguiu a autonomia para alugar uma casa e pôde correr atrás de outro projeto: abrir um negócio próprio no ramo alimentício. O sonho, porém, foi interrompido pela covid-19. Em 2020, os três pegaram a doença, mas Fernando teve complicações mais severas e não resistiu. Foi um grande baque para a família, que precisou recomeçar mais uma vez. Tomasita teve que abrir mão do emprego como Mãe Social para cuidar do enteado, mas continuou vendendo os quadros que o marido pintava para conseguir uma renda. Ela tem participado de feiras e a ONG e seus parceiros garantem um espaço para a venda das pinturas sempre que realizam eventos.

Mais recentemente, também com o apoio do Aldeias, ela encontrou um trabalho como costureira freelancer em um ateliê. Agora, seu objetivo é juntar dinheiro para comprar uma máquina de costura e trabalhar em casa, para poder cuidar de Luiz. "Sei fazer camisas e outras coisas, mas quero me dedicar a fazer roupas para crianças", conta. O grande sonho da família é comprar uma casa no Brasil. Mesmo com todas as dificuldades, Tomasita está confiante. "Quando a pessoa tem essa luta de ser imigrante, de sair do seu país, ela não pode olhar para trás. Eu vim para o Brasil com o propósito de seguir adiante. Isso não vai mudar", garante.

Os quadros pintados por Fernando Miguel custam entre R$ 40 e R$ 150, e podem ser adquiridos por meio da organização Aldeias Infantis SOS pelo celular: 11 96177-7038.

 

Matéria publicada pelo Ecoa UOL